Manuel Neto dos Santos – 6ª Publicação

Manuel Neto dos Santos – 6ª Publicação

CADERNO DE MONTE BOI E OUTROS VERSOS QUE ME CHAMAM COMO VOZES

Desejo este sossego, este convívio claro

Para me escapar ao tédio da vida de outra gente

E imerjo no silêncio, não penso, e então reparo

Nos mínimos detalhes esbanjados, mesmo em frente.

São confissões do mundo que não sabe que existe

Um poeta escrevendo o que avistado fica

E se a crença num “ deus” dentro de mim repica…

Será a natureza, não sendo alegre ou triste.

Existe por si só, tal como existe em mim

Vivendo, desde infante, à margem deste mundo

Por isso o que descrevo é natural, profundo;

Não posso doutro modo não ser senão assim.

Matricial preceito; tudo levado a sério

Que as minhas sensações são países distantes.

Amo, pelas tardes lentas, o íntimo mistério

Neste bulício de alma que vem já muito de antes.

Da alta majestade que o sonho me coroa,

Liberta-se a ironia, este meu riso incerto

Tendo, diante mim, este horizonte aberto

E a chuva na vidraça, a que hoje o céu povoa.

Eu sou os devaneios, propósito assumido

Já desde tenra idade; a arte conseguida

Pois apenas pela arte mais longe tenho ido,

Pois apenas pela arte tem sido a minha vida.

Sensível e capaz de impulso violento,

Irrompo como irrompe a bátega no lago,

Desencadeio em mim esse furor do vento;

Ourives das palavras, com a visão de um mago.

Desejo este sossego, este convívio, o abismo

Lá onde vou buscar esse fascínio alheio

O que, por não pensar, me assalta e depois cismo

Nesse reino interior que existe, de permeio.

Sou confissões abstractas, à flor desta distância,

Dos sulcos semeados de onde germina a vida

Na insistência solar trazida desde a infância;

A praia da ilusão, desse a infância trazida.

Existe, por si só, esta pompa das aves

Como os renques de árvores criando uma alameda…

Mas dentro da minha alma… ouço os tinires suaves

Das lanças sobre os muros, ou passos pela vereda.

Matricial preceito; aquela angústia antiga,

Os gestos, atitudes, como longos passeios

Mas do corpo a vergonha é, hoje, a minha amiga

Antigos desesperos são, hoje, os meus enleios.

Da alta majestade, os campos são mais verdes

Que esse verdor da esperança, do mar… lá muito longe.

Ó alma que arrecadas, por que razão não perdes

O hábito da música, no cantochão de um monge?

Eu sou os devaneios nesta figura humana;

Os pingos dos telhados no silêncio da aldeia.

Às vezes sou diferente, quando a essência se irmana

De tudo o que contemplo e fico de alma cheia.

Sensível e capaz, reconheço a tristeza,

A saudade do “ outro” que dentro em mim descreve

Algures no coração, um coração mais leve…

E a luz do sol, pelas nuvens, regressa; mais acesa.

Casa

28 maio 16

9, 22h

Marvão ao Anoitecer
Fotografia ilustrativa – Anoitecer em Marvão – Foto: Sérgio Santos
Manuel Neto dos Santos
Manuel Neto dos Santos

Autor de importante e multifacetada obra poética, grande parte dela ainda inédita

Manuel Neto dos Santos
Manuel Neto dos Santos

Poeta, actor, declamador, tradutor, poliglota. Nasceu em Alcantarilha- (Silves-Algarve) - a 21 de Janeiro de 1959. Activista cultural desde a adolescência. Figura incontornável na moderna poesia portuguesa.

Artigos: 15

Deixe um Comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.