Desejo este sossego, este convívio claro
Para me escapar ao tédio da vida de outra gente
E imerjo no silêncio, não penso, e então reparo
Nos mínimos detalhes esbanjados, mesmo em frente.
São confissões do mundo que não sabe que existe
Um poeta escrevendo o que avistado fica
E se a crença num “ deus” dentro de mim repica…
Será a natureza, não sendo alegre ou triste.
Existe por si só, tal como existe em mim
Vivendo, desde infante, à margem deste mundo
Por isso o que descrevo é natural, profundo;
Não posso doutro modo não ser senão assim.
Matricial preceito; tudo levado a sério
Que as minhas sensações são países distantes.
Amo, pelas tardes lentas, o íntimo mistério
Neste bulício de alma que vem já muito de antes.
Da alta majestade que o sonho me coroa,
Liberta-se a ironia, este meu riso incerto
Tendo, diante mim, este horizonte aberto
E a chuva na vidraça, a que hoje o céu povoa.
Eu sou os devaneios, propósito assumido
Já desde tenra idade; a arte conseguida
Pois apenas pela arte mais longe tenho ido,
Pois apenas pela arte tem sido a minha vida.
Sensível e capaz de impulso violento,
Irrompo como irrompe a bátega no lago,
Desencadeio em mim esse furor do vento;
Ourives das palavras, com a visão de um mago.
Desejo este sossego, este convívio, o abismo
Lá onde vou buscar esse fascínio alheio
O que, por não pensar, me assalta e depois cismo
Nesse reino interior que existe, de permeio.
Sou confissões abstractas, à flor desta distância,
Dos sulcos semeados de onde germina a vida
Na insistência solar trazida desde a infância;
A praia da ilusão, desse a infância trazida.
Existe, por si só, esta pompa das aves
Como os renques de árvores criando uma alameda…
Mas dentro da minha alma… ouço os tinires suaves
Das lanças sobre os muros, ou passos pela vereda.
Matricial preceito; aquela angústia antiga,
Os gestos, atitudes, como longos passeios
Mas do corpo a vergonha é, hoje, a minha amiga
Antigos desesperos são, hoje, os meus enleios.
Da alta majestade, os campos são mais verdes
Que esse verdor da esperança, do mar… lá muito longe.
Ó alma que arrecadas, por que razão não perdes
O hábito da música, no cantochão de um monge?
Eu sou os devaneios nesta figura humana;
Os pingos dos telhados no silêncio da aldeia.
Às vezes sou diferente, quando a essência se irmana
De tudo o que contemplo e fico de alma cheia.
Sensível e capaz, reconheço a tristeza,
A saudade do “ outro” que dentro em mim descreve
Algures no coração, um coração mais leve…
E a luz do sol, pelas nuvens, regressa; mais acesa.
Casa
28 maio 16
9, 22h